O remédio

    - Ainda bem que você chegou cedo aqui, tenho muito o que contar, há muito tempo que não me sinto bem desabafando com ninguém e você é a pessoa que mais confio no mundo. Já fazem duas semanas que ele se foi e no começo eu estava feliz, eu saí, eu fiquei com dois ou três garotos, mas agora está vazio. Algumas lembranças estão tomando conta de mim e eu sinto vontade de ligar a todo momento, sei bem que se ligar vai ser pra ouvir frieza e coisas duras e deve ser por isso que seguro tanto os dedos já viciados naqueles números.
    Sei que é uma questão de orgulho, talvez ele também tenha vontade de ligar, para contar as banalidades do seu dia como fazia antigamente, mas o orgulho também deve segura-lo. Te confesso que já não sei mesmo o que fazer, se sento e espero tudo isto ir embora mesmo sem ter certeza de que irá ou se saio por aí nas noites de festa me acabando de rir como manda aquela canção, sem me importar com o que corta por dentro. Se escolher a segunda opção, corro o risco de perde-lo de vez, ou será que a essa altura eu já perdi e estou tão anestesiada com tudo que houve que ainda não pude notar?
    Queria que ele entendesse que eu poderia perdoa-lo se ele fosse ao menos capaz de admitir que errou, mas não consigo entender o que diabos esses homens acham que são, já que nunca se dizem errados ou incapazes. Lembro sempre quando ele me dizia que tudo era culpa das minhas atitudes e que eu não tinha mais ''tempero'', que o gosto da nossa relação havia acabado e eu me ajoelhei tantas vezes dizendo que ia tentar melhorar que tudo ia dar certo.
    No final das contas eu prometia uma coisa que não era eu quem tinha que fazer, eu não precisava melhorar em nada, já era boa demais - ou pelo menos tentava ser ultrapassando todos os meus limites. Apesar de tudo isso, de saber de todo mal que estava acima de qualquer bem que ele me fazia, não consigo deixar de sentir saudades, me sinto masoquista querendo ele de volta.
    O que vejo é que já temos tanto construído, não quero ter que passar por tudo de novo, o começo de sempre, pelos inesperados aparecimentos que fazem o coração quase sair correndo pela boca. Eu me adaptei aos horários para ligar e aos dias da semana para ver, não queria que isso precisasse mudar, queria poder dizer: quando pensar em ligar me ligue, eu corro e te dou colo. Sei que não é possível, é necessário aceitar que não pode haver colo a ser oferecido e só há um remédio que pode resolver as pendências e o medo: o tempo, que pedirá sempre de nós paciência e sabedoria.

Comentários

  1. não conhecia esse seu lado. me admira sua inteligente e capacidade de redigir. TE AMO CARAI

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